CESE info

Durante o período de confinamento, passei por vários estados de espírito. Inicialmente, preocupei-me muito com o impacto da pandemia no meu país e, algumas semanas depois, no resto da União Europeia. Em seguida, entrei numa fase de reflexão sobre a melhor forma de lidar com esta tragédia que jamais imaginei ter de viver.

Nesse período, perante o número de pessoas contaminadas pelo vírus e de mortes na sequência da infeção, perguntei-me por que razão não tínhamos uma política de saúde verdadeiramente comum. As incríveis dificuldades de coordenação ao nível da União Europeia, agravadas pela falta de solidariedade, vieram corroborar a minha convicção..

Nas próximas semanas, saberemos se os Estados-Membros são capazes de pôr de lado os egoísmos nacionais em prol do interesse comum, propondo as soluções que se impõem para responder às necessidades sociais e económicas objetivas dos cidadãos e das empresas da União Europeia. Precisamos de dar respostas concretas àqueles que perderam ou estão em risco de perder o emprego.

No entanto, esta situação extremamente difícil revelou também a importância estratégica de um sem número de profissões. Estou a pensar, por exemplo, nos médicos, nos enfermeiros, nos profissionais dos serviços de polícia e da proteção civil, nos agricultores e nos profissionais da cadeia agroalimentar, graças aos quais nunca nos faltou um bem essencial como a alimentação, ao contrário das máscaras, dos tampões e do equipamento de proteção individual para o pessoal que trabalha no meio hospitalar e no terreno.

Falando mais concretamente daquilo que senti durante o confinamento, diria que senti a falta da minha família, do trabalho – e das relações interpessoais que nele se constroem – e dos amigos. Mas também aproveitei para refletir e dar mais valor ao que conta verdadeiramente na vida e que tantas vezes negligenciei. Quando pudermos regressar a uma vida normal, pensarei em primeiro lugar naqueles que me são próximos, tanto familiares como amigos.

A pandemia não terá apenas repercussões económicas graves. Afetará também a qualidade de vida dos cidadãos, pelo que teremos de encontrar uma forma mais adequada e mais sustentável de viver a nova realidade. Devemo-lo a nós próprios, mas ainda mais a todos aqueles que, devido ao coronavírus, já não se encontram entre nós. Termino, pois, dedicando-lhes uma última homenagem.

A minha experiência durante as últimas semanas, como a de muitas outras pessoas, tem sido única e muito enriquecedora.

Em 11 de março, regressei de Bruxelas à noite, e sentia-me muito cansada. Ficou claro que não iríamos viajar nos dias seguintes, devido às ameaças desconhecidas da COVID-19, e agradou-me a oportunidade inesperada de passar alguns dias tranquilos no meu gabinete. Mas as coisas passaram-se de forma diferente.

Uma das minhas filhas perguntou se poderia passar algumas semanas com o seu marido e os seus três filhos pequenos na nossa casa de fim de semana na Boémia do Sul (um lugar no meio do nada, onde até a estrada rural termina). A empresa do seu marido tinha encerrado as instalações devido ao confinamento e ele estaria em regime de teletrabalho durante os três meses seguintes. Fiquei contente por poderem ficar num ambiente seguro, e eu e o meu marido fomos ter com eles. Tínhamos previsto passar só o fim de semana para ajudar na manutenção necessária depois do inverno, mas acabámos por ficar sete semanas.

Mais tarde, a minha segunda filha veio também passar algum tempo connosco, com o seu filho pequeno.

Com cinco adultos, três deles em regime de teletrabalho, e quatro crianças, a vida numa casa pequena com uma só divisão aquecida e três quartos sem aquecimento nem sempre foi fácil. Durante estes dias longos e intensos, embora, de certa forma, vividos a um ritmo mais lento, descobri o seguinte, que me parece importante:

• Quando trabalhamos em casa, um par de meias quentes passa a ser a peça mais importante do nosso vestuário de trabalho;
• De um dia para o outro entrámos num mundo muito digital, e a experiência funcionou;
• Um gulache cozinhado durante cerca de cinco horas num forno de lenha fica delicioso;
• É muito difícil, se não mesmo impossível, encontrar um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e desligar-se nestes tempos difíceis; temos de fazer progressos nesta área;
• É divertido organizar aperitivos virtuais;
• Os sindicatos têm muito trabalho neste momento e são mais importantes do que nunca;
• Foram muitos os amigos que nos telefonaram e enviaram mensagens só para saber se estávamos bem;
• Porque é preciso que morram pessoas na Europa para admitirmos que as soluções comuns europeias podem ser uma boa via a seguir?
• As reuniões virtuais podem ser um bom plano B, mas nunca poderão substituir totalmente as reuniões presenciais;
• É útil rever as histórias e as canções de embalar de vez em quando;
• Nestes momentos críticos, a maior parte das pessoas do meu país dá provas de solidariedade, humanidade e união, e isso comove-me muito.

Quando regressei ao escritório em meados de maio, tornou-se muito claro que os esforços estão apenas a começar – espera-se que a crise sanitária esteja a chegar ao fim, mas a crise económica está a substitui-la. Todos os dias, cada vez mais pessoas perdem os seus empregos e empresas encerram as suas atividades. Para além de fazer todo o possível para relançar a economia e assegurar que os trabalhadores recebem os seus salários, não nos deveríamos também esforçar por alcançar um futuro comum, mais equitativo na Europa, onde as pessoas vivam em segurança, boa saúde e solidariedade e tenham uma vida digna com um rendimento digno e justo?

Ao início, a minha preocupação foi reunir a família, uma vez que o meu filho mais velho estava a estudar nos EUA. Foi uma grande alegria estarmos todos juntos de novo. O confinamento inicial permitiu-nos voltar a passar os serões em família, a ver filmes juntos, a jogar jogos de sociedade. Tudo isto num contexto de grande desassossego: Madrid era, nessa altura, uma das cidades europeias mais afetadas pela COVID-19, o sistema de saúde tinha colapsado e a falta de material médico obrigava os meus amigos médicos a lavar as suas próprias máscaras, uma vez que não havia equipamento de substituição. Tanto eles como as respetivas famílias acabaram rapidamente contagiados. Ainda assim, prevaleceu um sentimento de comunidade: todos os dias, às 20 horas, irrompiam aplausos das varandas de Madrid.

O confinamento foi o pontapé de saída para uma resposta dinâmica, e eu próprio fui recrutado – uma vez mais pela nossa sempre ativa vice-presidente Isabel Caño Aguilar – para contribuir, em nome do CESE, para a resposta da Aliança Europeia contra o Coronavírus, gerida com generosidade, flexibilidade e visão pela Plataforma Europeia para a Colaboração entre Polos Empresariais.

Trata-se de um espaço aberto e horizontal, onde começaram a germinar as primeiras respostas do tecido industrial, que incorporavam também as ações dos criadores (os makers) e as propostas de valor da comunidade, como a iniciativa «Achata a curva», e se conjugavam com uma função mais estratégica de exploração dos ecossistemas europeus e de cocriação de soluções, a partir dos três vetores incontornáveis de toda e qualquer ação futura: ecologia, digitalização e resiliência.

A sociedade tem agora de interiorizar que esta crise constitui um alerta muito sério de que temos de mudar o nosso estilo de vida, embora haja quem queira regressar ao statu quo.

Esqueçamos as receitas do passado. Dita-nos o bom senso que devemos adotar modelos de cooperação e estabelecer todo o tipo de parcerias entre diversos intervenientes que contribuam para a Europa inclusiva, social, humana e ética por que há tanto ansiamos, após inúmeras estratégias e políticas por concretizar.

Mas é verdade que nos últimos três meses realizámos mais progressos do que nos dez anos que se seguiram à Grande Recessão de 2008, o que é muito encorajador.

Não estou de modo algum satisfeito com a resposta das instituições do meu país, pautada pela divisão política e pela descoordenação. Deposito, porém, esperança na capacidade de reação de algumas instituições da UE, nomeadamente da Comissão Europeia, do Banco Europeu de Investimento e do Banco Central Europeu. O excelente papel que estão a desempenhar deve-se ao facto de terem sido capazes de renunciar ao paradigma do ensimesmamento e da autocomplacência em que se encontravam mergulhadas. Abandonaram, por fim, a sua abordagem autocontemplativa e descobriram que é na interação e na construção de alianças – assentes na transparência e na confiança (que, insisto, são indissociáveis) – que reside a chave para o futuro.

Sigamos, pois, na sua esteira, guiados pela bússola do Pacto Ecológico Europeu e da consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Chegou a hora!

Nas últimas semanas passei por mais experiências do que gostaria. Ainda tenho muitos sentimentos mistos e inúmeras questões sobre a COVID-19, o que talvez seja perfeitamente normal tendo em conta as circunstâncias. Não levei a pandemia muito a sério quando começou. Dizia para mim própria que se tratava apenas de um tipo de gripe mais grave. Quando todas as escolas foram encerradas, em 10 de março, continuei a pensar que seria apenas por quinze dias. Não queria acreditar que não fosse assim. Em 15 de março, a Eslováquia declarou o estado de emergência. Foi nesse momento que me dei conta de que a situação não era assim tão simples. Foram adotadas medidas e tivemos de as respeitar. Só podíamos sair de casa se usássemos uma máscara – e não se encontravam máscaras à venda em lado nenhum. As ruas ficaram vazias, e os teatros, os cinemas e as escolas fecharam. Só continuaram abertas as lojas de produtos alimentares e as farmácias. Nesses estabelecimentos comerciais, havia regras especiais a cumprir: só era permitido um cliente por cada 25 m², e era obrigatório desinfetar as mãos antes de entrar, usando o gel desinfetante disponibilizado à entrada. Alguns horários de abertura estavam reservados para os pensionistas. As pessoas que regressavam do estrangeiro tinham de permanecer em quarentena. Por detrás das lojas fechadas, sabia que havia senhorios, empregadores e trabalhadores, que não só receavam o vírus, mas também a perda do emprego. Por um lado, todos tínhamos medo do contágio e, por outro, estávamos conscientes de que alguns empregadores não poderiam fazer face a esta situação, o que resultaria na perda de empregos. Este foi um dos vários problemas que abordámos no nosso trabalho. E trabalhámos mais do que habitualmente. Os empregadores precisavam de ajuda numa série de domínios. Era como se estivéssemos divididos em dois grupos: aqueles que estavam cheios de trabalho e aqueles que teriam gostado muito de trabalhar, mas não podiam. Desde o início da pandemia de COVID-19, a nossa associação salientou a necessidade de ajudar os empregadores e empresários, adotando rapidamente medidas para atenuar as consequências económicas da COVID-19. Participámos ativamente desde o início, formulando observações sobre as propostas apresentadas e apresentando também uma série de propostas. Esforçamo-nos por promover e apoiar as propostas que procuram proteger o emprego e a viabilidade das empresas. O nosso objetivo comum deve ser preservar o maior número possível de postos de trabalho, tanto mais que a ameaça de despedimentos coletivos nunca foi tão séria e tão real. Consideramos imperativo que a Eslováquia disponha de um diálogo social altamente eficaz, apoiado a nível nacional pela configuração tripartida de trabalhadores, empregadores e governo. Manter a harmonia social deve ser o objetivo de qualquer governo e entendemos que, em particular neste período difícil, é muito importante prosseguir uma política responsável e equilibrada relativamente aos trabalhadores e aos empregadores, não só nos diversos países, mas também a nível europeu.

Ainda recordo nitidamente o dia em que começou o abandono da vida pública: foi na sexta-feira, 13 de março. Nas ruas de Linz respirava-se um ambiente anormalmente tenso. Havia «algo» no ar, e, efetivamente, o confinamento seguiu-se pouco depois.

Em geral, a situação parecia surrealista. O tempo que nos aguardava confinados parecia eterno, e a primeira coisa que fizemos foi limpar a casa. Por um lado, tudo era ameaçador e apontava para o encerramento dos espaços públicos; por outro lado, o espaço virtual pululava de animação, sendo partilhadas muitas publicações humorísticas, provavelmente numa tentativa de enfrentar melhor a situação. As longas conversas telefónicas com a família e os amigos focavam-se sobretudo num tema: a COVID-19. Para mim, especialmente importantes foram os passeios com o cão, sem os quais o meu mundo se teria desmoronado. Como o bom tempo incentivava muitas pessoas a sair, explorei caminhos novos e mais afastados que me permitiram manter a distância suficiente. O som dos elétricos, que normalmente se perde no ruído do tráfego, e o murmúrio apaziguador do Danúbio tiveram um forte impacto.

O teletrabalho recordava-me os meus dias de estudante, quando também aprendia ou trabalhava a partir de casa, com uma grande diferença, todavia: o papel dominante do mundo em linha. Pouco a pouco, introduzi no calendário as reuniões em linha, os eventos em linha e até as chamadas telefónicas. E as mensagens de correio eletrónico, já numerosas, continuaram a multiplicar-se, enquanto as diversas aplicações para videoconferências se foram acumulando no computador. Ao nível profissional, os contactos que mantinha com pessoas a milhares de quilómetros de distância eram, pelo menos, tão animados como aqueles que podia manter com as que viviam a uma rua de distância.

No final de maio, a Áustria começou a levantar gradualmente o confinamento, apesar de alguns momentos complicados. Reinava com frequência a incerteza em relação ao que realmente era permitido, ou ainda ia ser permitido, fazer. No início, levou um certo tempo a voltar a acostumar-se ao regresso ao «exterior», sobretudo porque muitas coisas já não são como eram. Os desinfetantes, as regras de distanciamento, as máscaras, as viseiras, etc., fazem agora parte da vida quotidiana. Mas a maior alegria é voltar a ter contactos «reais» com as pessoas.

Três meses decorreram desde que o confinamento foi imposto. Agora que as cidades começam a aliviar as medidas de restrição é um bom momento para refletir sobre o que aconteceu devido à rápida propagação do vírus, que teve impacto em todos os aspetos da nossa vida privada e comunitária.

Há três meses tudo era normal. Eu trabalhava no meu gabinete e viajava com regularidade para Bruxelas. Após o surto da pandemia, de repente, os voos foram anulados e todos os dias sucediam-se atualizações das novas políticas relativas à COVID-19. Tudo isto veio alterar a minha vida, tanto a nível profissional como pessoal.

A minha organização teve de cancelar ou adiar vários eventos que já tinham sido preparados e, em meados de março, começámos a trabalhar a partir de casa. Embora esta mudança de planos tenha sido perturbadora para todos nós, decidimos aproveitar o tempo para forjar algumas ideias novas para projetos e criar novas parcerias, utilizando ferramentas em linha. Organizámos alguns eventos em linha e preparámos uma série de ferramentas de aprendizagem para aulas virtuais sobre o desenvolvimento sustentável.

Mas o nosso maior receio continua a ser saber de que forma as organizações da sociedade civil vão sobreviver, pois há menos dinheiro para realizar o nosso trabalho. O Governo croata introduziu determinadas medidas para apoiar a preservação dos postos de trabalho, mas as organizações da sociedade civil foram excluídas.

Na minha vida privada, infelizmente tive de passar a quarentena sem o meu marido ausente no estrangeiro e que, sem poder regressar a casa, não teve outra alternativa senão ficar longe, separado da nossa família por mais de 90 dias, partilhando o destino com muitos outros europeus.

Quando se pensava que a situação não poderia piorar, no domingo, 22 de março, às 6h24m, um terrível terramoto acordou-nos abruptamente em Zagrebe. Primeiro foi o pânico, depois o choque e a seguir o medo e a incerteza. O centro histórico de Zagrebe foi severamente atingido e o processo de reconstrução e reparação dos edifícios e das infraestruturas será complexo e moroso.

Também sobrevivemos a isto. É importante referir que ficou demonstrado e provado que não podemos viver uns sem os outros, sem solidariedade e sem voluntários ou sem sistemas públicos de saúde sólidos, que temos de preservar e reforçar ainda mais.

Mas o que houve de positivo no meio disto tudo? Pois bem, houve algumas mudanças específicas que gostaria de manter. Iniciei-me na prática do método de Feldenkrais através do Zoom e comecei a cozinhar regularmente.

É um privilégio ter a possibilidade de trabalhar a partir de casa, sem deslocações para o trabalho, com mais horas de sono e menos stresse. Mas milhões de pessoas que foram forçadas a deixar os seus trabalhos gostariam de trabalhar mais e não menos.

Diria que, agora, a minha cidade está livre da COVID-19. Espero que os eventos de 2020 nos ensinem a valorizar mais a nossa liberdade e a apreciar a felicidade de ter uma vida normal, com as suas rotinas e atividades diárias. Naturalmente, espero também que 2020 seja um ponto de viragem no momento em que sistemas injustos, destrutivos e desumanos começam a ser transformados.

Os jornalistas explicaram aos franceses que, com a generalização do confinamento na União Europeia, França devia preparar-se para o mesmo.

A minha exploração agrícola não foi afetada – continuámos a trabalhar, com medidas de distanciamento, para podermos abastecer todos os nossos clientes. Durante as entregas, apercebi-me de que as ruas estavam vazias, que havia lugares de estacionamento livres, que as pessoas respeitavam efetivamente as medidas de distanciamento – uma pessoa de cada vez nas lojas, a distância entre as pessoas nas filas de espera: todas as imagens que vimos de Itália mostraram exemplos das boas práticas a seguir pelos consumidores franceses.

Perdemos todos os clientes do setor da restauração, mas as vendas diretas dos produtos agrícolas duplicaram, e as vendas no talho subiram 50%. Na verdade, vendemos mais do que o habitual. Trata-se de produtos que levam vários meses a crescer, ou seja, trabalhamos sem superfluidade, e só agora estamos a regressar ao consumo normal em relação ao nosso nível de produção.

Gostei imenso de ficar em casa com alguns dos meus filhos, bem como com os meus trabalhadores, que ficaram aliviados por poderem trabalhar, quando metade dos trabalhadores franceses estava em situação de desemprego parcial.

Estando a tempo inteiro na nossa exploração agrícola, trabalhei não só intelectualmente, mas também fisicamente, o que me permitiu perder uns quilos.

Era como se estivéssemos na altura do Natal, em que nos encontramos todos e passamos um bom momento juntos. No entanto, era apenas a família próxima, e foi triste não poder estar com a família alargada, com os amigos, não poder abraçá-los. Pensei nos colegas que vivem em regiões remotas e conhecem esse afastamento dos outros durante todo o ano.

Descobri o teletrabalho, que satisfez empregadores e trabalhadores. Estou muito preocupado com os setores dos transportes, dos cafés, dos hotéis, da restauração, dos eventos, dos edifícios de escritórios, do linho, hípico, da sidra, entre outros. Temos de continuar a gerar riqueza.

Uma UE capaz de dar uma resposta à crise coerente com o seu projeto inicial e a sua estrutura, que é o resultado de valores bem precisos, de um mercado único e de uma zona monetária que reúne a maioria dos Estados-Membros: eis a minha preocupação ao longo destes meses. E que por fim tivéssemos consciência, como salientou Aristóteles, de que a moeda é um elemento central da pertença coletiva. Passei muitas horas a reler livros sobre a resposta falhada da UE à crise de 2008, a analisar artigos e propostas sobre a urgência de uma resposta diferente, mais rápida e, acima de tudo, mais coerente e com uma visão de longo prazo, a esta crise disruptiva, bem como a partilhar opiniões com amigos e responsáveis da organização sindical de que sou membro. Numa situação como esta, é imperativo romper com o dogma da austeridade radical, vigente há várias décadas, e começar a articular de forma positiva política orçamental e política monetária. Também escrevi sobre o que, na minha opinião, era imprescindível fazer para evitar que, no plano político e económico, a UE não reagisse demasiado tarde ou não conseguisse dar o salto rumo a uma União federal. Procurei, assim, dar o meu pequeníssimo contributo para que rumemos nessa direção.

Naturalmente, tal como todos, imagino, li e refleti sobre a realidade que teremos em mãos uma vez vencida esta primeira batalha contra a pandemia. No pior dos cenários, a saída da crise poderia abrir a porta a isolacionismos identitários e autoritários, a essa espécie de guerra latente de todos contra todos no plano coletivo que já tinha sido preconizada pelo neoliberalismo numa base individual; ou, no cenário oposto, pode levar-nos a uma globalização assente numa governação mais multilateral, mais tolerável no plano humano e socialmente mais justa.

A crise veio pôr em evidência as consequências nefastas da falta de planeamento democrático – não só no domínio da saúde, mas também, entre outros, industrial – e da erosão da consciência do bem comum em resultado de uma ideologia – diria mesmo, quase uma religião –, como o neoliberalismo, que pôs em causa os pilares do Estado social. Esta crise demonstrou claramente que todos os bens coletivos, desde a saúde às infraestruturas, são a verdadeira riqueza das nações, um património que cabe agora resgatar e preservar.

Enquanto habitante de uma zona rural e apaixonado por jardinagem, devo confessar que não sofri muito com o confinamento, exceção feita de não ter podido ver os meus próximos, a família e os amigos.

Desta crise tiraria três lições. Primeiro, embora a UE tenha acabado por encontrar uma solução orçamental de forma a contribuir para a recuperação, lamento a falta de coordenação entre os Estados-Membros quanto ao fornecimento de equipamento médico no auge da crise ou ainda às medidas a tomar durante o período de desconfinamento. Uma maior coerência teria permitido aos cidadãos compreender melhor a utilidade da UE.

A segunda lição diz respeito ao que vivi no meu país: em vez das insuficiências manifestas de determinados responsáveis pela gestão da crise em matéria de comunicação e abastecimento de equipamento de proteção, recordarei antes a dedicação de muitos cidadãos durante a crise, no domínio da saúde, naturalmente, mas não só. Na realidade, foram os serviços públicos, por vezes tão vilipendiados por alguns, que permitiram a toda a nossa sociedade atravessar esta crise, sem esquecer as inúmeras demonstrações de solidariedade dos cidadãos.

Por último, diria que a terceira lição é a resiliência e a disciplina de que os cidadãos são capazes quando é necessário. Sem dúvida, era a saúde que estava em jogo, face a um vírus pouco conhecido e sem tratamento disponível.

Desejo que, da mesma forma que escutámos os peritos na gestão desta crise sanitária, sigamos as orientações dos climatólogos e outros especialistas na gestão da transição climática no contexto da retoma. 

No setor agrícola, embora os trabalhos de primavera tenham decorrido em boas condições, o confinamento e o encerramento das empresas e do setor da hotelaria e restauração conduziram a uma quebra da procura, criando pressão sobre os preços de certos produtos, como o leite, os suínos, determinadas categorias de gado ou, no caso particular da Bélgica, as batatas, devido ao encerramento das fábricas de transformação, que são grandes exportadores em período normal.

O setor hortícola também sofreu consideravelmente com o confinamento, nomeadamente devido à falta de mão de obra sazonal para a colheita de pequenos frutos. Não obstante, devemos destacar o lado positivo da decisão dos agricultores de venderem diretamente nas explorações.

Os consumidores voltaram-se decisivamente para a produção local, tanto no setor da carne e dos laticínios como dos produtos frutícolas e hortícolas. Que esta tendência se mantenha no futuro!

Não foi especialmente difícil ficar em casa durante o confinamento. Havia várias coisas a fazer que eu vinha adiando há anos. Tive a oportunidade de me dedicar a elas e fiquei contente por as ter resolvido. As fotografias e as recordações de família que tinha recolhido das casas dos nossos pais estavam todas misturadas, e foram arrumadas. Este trabalho de arrumação despertou várias emoções. Ocupei-me com atividades que me faziam falta, como os trabalhos manuais, a confeção de doces, a culinária, os licores, as compotas e as geleias tradicionais gregas, coisas para as quais normalmente não tenho tempo devido ao ritmo frenético do meu quotidiano.

Por outro lado, é claro que senti muito a falta das crianças, porque não estão a viver connosco. O nosso filho mais novo passou regularmente em frente à nossa varanda para podermos ver-nos à distância, e esta situação foi particularmente difícil e uma grande lacuna. Mantive-me em contacto pela Internet com o nosso filho que está em Inglaterra. Mas sentimos a necessidade de falar, ainda que apenas em linha, mais do que anteriormente.

Tenho a impressão de que começámos gradualmente a recordar alguns dos valores que tínhamos esquecido, como sermos solidários, dizermos bom dia aos vizinhos que tínhamos perdido o hábito de saudar, sorrirmos da varanda às pessoas na rua. A pandemia trouxe à superfície sentimentos de que já não nos lembrávamos. Tínhamos esquecido a gratidão. Tomávamos a nossa saúde como um dado adquirido. Em 2020 nem sequer imaginávamos que um vírus poderia provocar tantos estragos, que nos levaria entes queridos, que poderia haver uma tal taxa de mortalidade num país vizinho, que tantas vidas humanas seriam perdidas. Tudo isto obriga-nos a pensar de forma diferente e a refletir sobre os valores que norteiam a nossa existência.

Felizmente, a pandemia também nos ajudou a compreender a importância fundamental da ciência para as nossas vidas. Temos de lançar um debate para determinar que países foram mais afetados, e porquê, e de analisar o papel do populismo e do conspiracionismo, para não falar do movimento antivacinação, nesses países. A aceitação e a confiança dos responsáveis políticos e dos cidadãos na ciência protegeram determinados países, como a Grécia. Penso que devemos lançar também um debate sobre o papel da igreja, dos meios de comunicação e de personalidades importantes durante a pandemia.

É significativo que em todos os países a importância dos sistemas nacionais de saúde tenha sido destacada, já que recentemente, na esteira da globalização e da orientação da sociedade para a gerarção de riqueza, nos demos conta de que alguns serviços não podem ser prestados com a mira do lucro. Tínhamos negligenciado os sistemas nacionais de saúde, e finalmente compreendemos do que precisam para funcionar, não só na eventualidade de uma pandemia, mas sempre.
Temos uma enorme dívida para com todas as pessoas que estiveram na linha da frente apesar de todos os problemas que os sistemas nacionais de saúde enfrentam.

Gostaria de acrescentar um parágrafo sobre os consumidores. Infelizmente, devido à pandemia, os padrões de defesa do consumidor pioraram em muitos Estados-Membros, em especial para os passageiros/viajantes. Embora o comissário competente tenha emitido uma recomendação aos Estados-Membros no sentido de não suspenderem a legislação de defesa do consumidor no que toca aos voos, às viagens de pacote e aos transportes, muitos Estados-Membros efetuaram tal suspensão. Assim, em vez de obtermos um reembolso quando cancelamos bilhetes, recebemos vales, válidos por 12 ou 18 meses, que não oferecem quaisquer garantias no caso de a empresa de viagem falir. Se não usarmos os vales durante o prazo de validade, podemos obter um reembolso. Na prática, isto equivale a um empréstimo isento de juros às empresas de viagem e à custa do consumidor, o qual também foi afetado pela pandemia. Conheço pessoas que não precisam dos vales, uma vez que nunca poderão utilizá-los nos próximos 12 ou 18 meses (por exemplo, viagens escolares para as crianças que concluem o ensino secundário este ano). E no entanto, durante 12 ou 18 meses, os pais destas crianças terão concedido um empréstimo sem juros a todas as pessoas que organizam essas viagens. É inaceitável que os direitos dos consumidores sejam restringidos.

Além disso, uma vez que vivemos na era digital e temos estado a trabalhar de casa, utilizando muito mais a Internet, tem havido muitos mais casos de fraude em linha e muito mais notícias falsas a circular, incluindo teorias da conspiração.

Do que precisamos, isso sim, é de assegurar que os trabalhadores continuem a beneficiar dos seus direitos adquiridos quando trabalham de casa. Uma questão que vale a pena examinar é a forma como é determinado e avaliado o desempenho dos teletrabalhadores, bem como, em qualquer dos casos, as relações de trabalho em condições de teletrabalho.

Um outro parâmetro determinante que o CESE começou a usar (e a que Luca Jahier, presidente do CESE, já expressou o seu apoio no Twitter) é a proposta do primeiro-ministro da Grécia de contratos públicos conjuntos pelos Estados-Membros para vacinas, terapias, medicamentos e testes de diagnóstico, para que nenhum Estado-Membro se veja privado de provisões essenciais para a vida humana.

Esta é uma iniciativa que deve ser apoiada por todos os membros do CESE, através de um parecer de iniciativa, para assegurar que todos os Estados-Membros tenham igual acesso a vacinas, terapias e diagnósticos. Devo dizer que foi com grande prazer que apresentei esta proposta tanto ao nosso presidente, Luca Jahier, ao Secretariado Europeu das Uniões de Consumidores (BEUC), e ambos aceitaram apoiá-la.

Uma recente publicação do CESE reúne todos os pareceres e relatórios que, ao longo dos últimos trinta anos, permitiram ao CESE e às organizações da sociedade civil reforçar a democracia participativa e assumir um papel de relevo no processo decisório europeu.

O compêndio descreve o papel do CESE na criação de um fórum público europeu e no desenvolvimento de um diálogo civil na UE – um passo fundamental para a emergência de uma esfera pública europeia e, em última análise, de uma identidade europeia.

«Enquanto interveniente de primeiro plano e força criativa, o CESE alterou profundamente a forma como se realiza e configura o diálogo civil», escreve o presidente do CESE, Luca Jahier, na introdução.

O compêndio salienta o contributo do CESE para a redação do artigo 11.º do Tratado de Lisboa, que forneceu a base jurídica para o reforço da democracia participativa, bem como o empenho constante do Comité em assegurar o êxito de uma das inovações mais promissoras do Tratado, a Iniciativa de Cidadania Europeia.

Passando do seu percurso do passado para as suas perspetivas futuras, no contexto das mudanças radicais que estão a ter lugar na nossa sociedade e dos desafios que a UE enfrenta, o CESE considera que desempenha um papel fundamental para antecipar a mudança e ajudar a fazer face à falta de confiança dos cidadãos na UE. A Conferência sobre o Futuro da Europa oferecer-lhe-á uma oportunidade para confirmar o seu papel enquanto pedra angular do diálogo civil e para se afirmar perante as outras instituições.

Participatory Democracy - A success story written by the EESC [Democracia participativa – Uma história de sucesso escrita pelo CESE] está disponível em linha no seguinte endereço:https://bit.ly/2UdMA6n.